sexta-feira, 30 de outubro de 2020

O Tao das facas.

             Ser um praticante do Nível Superior Final do Sistema Ving Tsun de Inteligência Marcial requer sempre algo além do prática e dedicação. Transformar as letais Ving Tsun Do em parte do seu corpo não é um tarefa treinável, mas um processo de sintonia de mim com o todo. Existem certos aspectos que consigo narrar, outros acontecem num nível mais profundo que apenas se manifestam e eu percebo. Quanto mais eu forço para dominar tais armas, menos eficácia sinto em minhas ações. Quanto mais respeito a natureza delas, mais o fluxo letal do traçado proposto na Sequência de Movimentos do Domínio se manifesta. 

Mestre Sênior Julio Camacho
exibindo o Baat Jaam Do

            Nesse aspecto, somente o olhar treinado de um Si Fu (Líder de Família Kung Fu) proporciona ao praticante a liberdade de ação necessária para cada movimento. A  longeva  relação discipular me permite me desnudar das várias camadas de artificialidade geradas pelos meus mecanismos de proteção acumulados em crenças. Ontem, durante minha prática semanal do Nível, algumas colocações profundas nesse sentido de meu Si Fu, me ajudaram em muito destravar algumas amarras que ainda impedem a fluência do meu Kung Fu. 

Mestre Sênior Julio Camacho acompanhando
 Claudio Teixeira iniciando sua carreira como tutor

            Ao mesmo tempo em que meu Si Fu apontava que cada movimento meu deveria ter mais efetividade, dizendo que a listagem não era uma dança, pois cada ação deveria conter uma intenção clara, ele salientava que essas mesmas ações deveria ter uma conexão entre si, me incentivando colocar mais arte no movimento. Para um leitor, parecem colocações paradoxais, mas ser conduzido pelo meu Si Fu à extrair o melhor de mim, através do zelo e do relaxamento, em movimentos de explícita e notória  letalidade, é uma tarefa de conexão indescritível da minha parte como Discípulo, e tenho certeza que da parte dele como Mestre. A busca do desenvolvimento humano que me permite ser uma pessoa melhor a cada dia, através de dispositivos cujos signo de morte é fundamental, apenas traduz um pouco do que significa a Listagem de Movimentos do Nível Superior Final para mim , e tal como Tao, o o Baat Jaam Do não se define, porque se definissem não seriam nem o Tao, nem o o Baat Jaam Do.


terça-feira, 27 de outubro de 2020

O papel de um Discípulo.

        Uma pergunta que não me dei conta de fazer antes da minha Cerimônia de Discipulado em 2013, foi questionar qual seria o papel de ser Discípulo. Porém o Mestre Sênior Julio Camacho, ao qual passarei me referir por Si Fu nessas linhas, sempre disse que a entrega de um nome Kung Fu sempre carregava uma característica que percebia na pessoa, uma missão, e uma advertência. Meu nome carrega em seus ideogramas a palavra honra no sentido de nobreza, e antepassados. E durante muitos anos eu nunca compreendi a escolha de meu Si Fu em me dar esse nome, ao qual pouco me identificava. Nunca me senti nobre, honrado e conectado com ancestralidade `altura de levar um nome de tamanho peso.  Com o tempo, fui percebendo naturalmente, tal  como a máxima que meu Si Fu disse algumas vezes,que o tempo se encarrega de fazer o Discípulo assumir seu nome a medida que passei me colocar mais como um liderança do Clã Moy Jo Lei Ou, minha missão de proteger e perpetuar o Legado do Sistema Ving Tsun.

           
Primeira prática na Sala da Sede do Clã Moy Jo Lei Ou

Um dos primeiros mergulhos mais profundos no meu nome foi justamente me colocar a frente do processo de dirigir um Núcleo do Clã em Ipanema, onde as advertências ocultas em meu nome Kung Fu foram ficando cada vez mais óbvias em muitas situações que não agia de maneira tão condizente com a responsabilidade óbvia que esse nome me trazia, e quanto mais encarava tais preceitos como desafios, mais era advertido pelas consequências dos meus atos. Toda essa situação começou se reverter quando comecei me dar conta que as circunstâncias do cotidiano eram meras batalhas diante da grande guerra que corria dentro de mim mesmo. 

            Com a ida do Si Fu para Miami, sua repetida fala a cerca que ancestralidade diz respeito também as gerações vindouras, começou ecoar dentro de mim, e passei por um processo de profunda reformulação da minha maneira de me colocar à serviço desse processo cada vez mais rico de me tornar um elo em essa corrente.  

            
Entrega da chave do Núcleo Barra

Ontem, eu pude ter a honra de dar um grande passo de maneira muito nobre nesse processo ancestral que tanto traduz meu nome, ao ser o integrante mais velho da Família Moy Jo Lei Ou presente na primeira atividade na recém adquirida Sede do Clã. Numa manhã de céu límpido, estive presente junto meus irmãos Kung Fu Guilherme de Farias e Carmem Maris dando o ponta pé inicial em todo processo do ponto vista gerencial desse grande desafio que é estruturar a ambiência objetiva de um Sala de Guerra que levará o Jiu Paai do meu Si Fu, na primeira ocasião em que ele não participará presencialmente desse processo por estar morando em Miami. E finalmente, após sete anos que carrego o nome Moy Kat Jo, que compreendi num nível mais profundo que minha missão nesse instante está contido no lema mais repetido de Si Fu, pois esse Sede será o local para possamos seguirmos juntos.




domingo, 25 de outubro de 2020

Reencontrando o rumo.

Da incontáveis palavras dirigidas à mim pelo Mestre Sênior Julio Camacho, ao qual passarei me referir por meu Si Fu nessas linhas, as que mais ecoam na minha cabeça, inclusive já escrevi e até gravei um vídeo sobre elas. Foi quando numa ocasião ele me disse: Claudio, você é uma pessoa tão habilidosa, que se houver uma enchente aqui neste local agora, você é capaz de transformar uma porta num barco, e salvar a todos aqui. Entretanto, se torna vítima dessa própria habilidade por abrir mão da preparação por achar que pode se garantir sempre, que jamais seria capaz de construir esse prédio. 

De fato, até aquele momento em minha vida, eu sempre fui muito mais voltado para "apagar incêndios que para projetar sistemas anti-chama". De maneira superficial, até me orgulhava de ter uma natureza com aquilo que eu entendia por Biu Ji (Nível Avançado do Fase Estruturada do Sistema Ving Tsun que fecha a primeira trilogia de duas do Sistema Ving Tsun). Porém confesso hoje, que nesse nível, ao qual estudamos dentro da emergência a capacidade de retornar ao estrategicamente ideal, eu sentia um desconforto que sempre me intrigou durante minha Jornada Marcial no Sistema. Era como se me faltasse algo, que não entendia bem, mas ficava como um ruído de fundo falando baixinho em meu intimo que eu estava fazendo aquilo errado. 

As  maiores vantagens  numa relação Si Fu Todai (Mestre Discípulo) é primeiro que, ao assumirmos o compromisso do Discipulado, assumimos mutuamente e vitaliciamente. Meu Si Fu estará sempre para me conduzir no desenvolvimento do meu Kung Fu, e cabe à mim procurá-lo da maneira adequada. E o melhor disso, temos uma vida toda para tal. Dessa maneira, mesmo por inúmeras vezes tendo eu me desanimado dessa jornada, e até me afastado por inúmeras razões, toda vez que retornava, meu Si Fu estava lá para me receber novamente. E assim, aos poucos, fui me sintonizando com uma frequência cada vez maior nessa relação muito especial que vem me trazendo incalculáveis benefícios, muitas vezes bem acima daquilo que posso até oferecer ao meu Si Fu como seu Discípulo. 

Hoje foi um desses dias onde me beneficiei muito acima do esperado, durante uma de nossas práticas on-line no Projeto Desvendando a Fase Estruturada, conduzida direto de Miami pelo Si Fu. Dentre atividades práticas sempre com um mergulho mais profundo no Sistema, estávamos estudando justamente o Biu Ji, quando na proposta de tirar minhas vendas, dentro da proposta que dá nome à série de práticas, fechei algumas lacunas em aberto sobre meu entendimento sobre o Sistema. 


Curiosamente, tenho tentado mudar minha maneira de ser já tem algum tempo, me voltando muito mais para a preparação, do que para a emergência. Para a prática de hoje, eu comecei me preparar ontem, tanto a ambiência, quanto corporalmente, tentando antecipar quais desafios poderiam surgir, e mesmo assim me decepcionei demais com minha atuação durante a execução de parte da listagem do Nível. Mas no Kung Fu, como me disse o Si Fu durante a aula, o resultado nunca é o mais importante, e sim o que extraímos da experiência. E dentro dessa máxima, após o término continuei praticando um pouco mais, buscando levar o aprendizado de hoje para a natureza do Domínio do Nível Superior final. E como num passe de mágica, consegui produzir alguns movimentos com as Facas VIng Tsun Do, com uma precisão e energia, que jamais havia conseguindo antes. Como se tivesse descoberto novas conexões energéticas entre o quadril, cotovelos e os punhos, as facas passaram deslizar com mais firmeza e suavidade em minhas mãos.

Mas na Guerra não há tempo para o luto nem para a celebração durante  pequenas batalhas. Logo que percebi essas diferenças, notei também que veio um novo conjunto de questões a serem resolvidas, nesse quebra cabeça sem fim de se usar o corpo marcialmente como uma ferramenta de aprendizado constante. Para minha sorte, ainda tenho muito dessa vida toda para novas descobertas nesse grande desafio do Kung Fu.


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A Guerra e o Zelo.

 De acordo com Patriarca Moy Yat, Discípulo do Famoso Mestre do Bruce Lee, Patriarca Ip Man,  se mede o nível de Kung Fu de um Artista Marcial pela sua capacidade de relaxar e ser gentil, algo que parece contraditório ao que hoje pode ser considerado uma atividade física, ou esporte, mas que durante grande parte da existência da humanidade foi constituído em função da guerra. 

O Mestre Sênior do Sistema Ving Tsun de Inteligência Marcial, ao qual me refiro como Si Fu nessas linhas, afirma que a agressividade é matéria prima das artes marciais. Dessa maneira, parece cada vez mais contraditório falar sobre relaxamento e gentileza, quando falamos de Kung Fu.

Foto Tradicional Si Fu Todai

Primeiramente faz-se necessário compreender que o processo de desenvolvimento daquilo que nos compreendido como Kung Fu através do Sistema Ving Tsun, demanda uma ressignificação do senso comum sobre Arte Marcial. Entendendo o processo marcial como algo advindo da cultura da guerra, compreender que a grande guerra da humanidade é de fato aquela que ocorre dentro de nós mesmos, colocando o relaxamento sempre a melhor maneira de silenciar os anseios de maneira não se agir de forma precipitada, imprudente, contaminada por emoções exacerbadas, ou afetadas por uma leitura imprecisa dos cenários. Quanto mais nos colocamos sob tensão, menos temos a capacidade de sustentar um alto nível  de atenção por longos períodos. Para a luta do dia a dia, o relaxamento nos permite sustentar um estado mental de guarda e prontidão muito mais eficaz. Por isso a orientação de um Si Fu ultrapassa em muito o mero aspecto técnico marcial, e nos permite o desenvolvimento de uma condição mental alinhada e afiada. 

Quando meu Si Fu me diz por exemplo, durante uma Sessão do Nível Superior Final, onde para nossa segurança usamos réplicas de facas ao qual devemos tratar com o mesmo cuidado e atenção que os afiados e letais Ving Tsun Do, é justamente para me proporcionar uma ambiência subjetiva que permite o desenvolvimento de uma atitude mental marcial constante. E aí começa inclusive ficar mais claro o papel da gentileza. A gentileza manifestada pelo processo de atenção cuidadosa ao qual nos referimos por zelo, permite ao praticante de Ving Tsun, voltado para o desenvolvimento de seu Kung Fu, acessar uma camada além do conceito marcial do estilo, mas aquele que hoje seja o que mais me encanta, a parte artística. Também é muito comum ouvirmos do meu Si Fu que arte é a capacidade de colocar a expressão pessoal  transformando algo não definido em estado bruto, numa obra refinada que representa seu autor. 

O processo de uso do Sistema Ving Tsun como ferramenta de Desenvolvimento Humano, passa pela necessidade de um mergulho profundo nas nuances do conceito de humanidade. O relação discipular permite ao praticante fazer de nosso Si Fu como um referência do processo do Zelo, e nessa linguagem que quanto mais alto nível, mais silenciosa e discreta se torna, aprendemos que cuidado sem atenção e vice versa, desperdiçam o potencial de explorar da gentileza como um poderoso dispositivo desenvolver-se como artista marcial. 



quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Estudos fraternos.

Uma das grandes vantagens de se pertencer ao Clã Moy Jo Lei Ou,  Instituição que leva o nome Kung Fu do Mestre Sênior Julio Camacho, ao que me refiro por Si Fu (Líder de Família Kung Fu) nessas linhas, é que hoje temos uma grande variedade de praticantes sêniores com longas "horas de vôo" de experimentações do Sistema Ving Tsun de Inteligência Marcial. Ressaltando também, que o fato de estarmos sob a liderança de um Si Fu com quase duas décadas de experiência como Mestre, com maturidade para saber gerar cenários favoráveis para cada um de seus Discípulos desenvolver a expressão artística pessoal individual no aprimoramento do Kung Fu. 

Diante da riqueza de diferentes maneiras de abordar os dispositivos do Sistema, passamos promover encontros entre os mais antigos discípulos no Núcleo Ipanema, para trocarmos experiências e expormos nossas diferentes visões sobre a Fase Semi-estruturada. E nesse bate bola requintado com muita sintonia, tal como aqueles times bem entrosados de futebol que "jogam por música", sem a necessidade de nenhuma postura professoral, ou as antigas disputas de egos de quando éramos inexperientes praticantes. nos permitimos o fluir de nossas peculiares leituras com muito Kung Fu. 

Nosso Si Fu costuma dizer que não é nada suspeito pelo seu enorme e crescente entusiasmo com o Sistema Ving Tsun, porque dado suas décadas de dedicação em estudá-lo profundamente, suspeito é quando um "novato" tem tamanho apreço por essa obra de Arte Marcial, sem sequer conhecê-la muito bem. Nesse mesmo espírito, eu e meus irmãos Kung Fu temos buscados nesses encontros, de maneira muito serena e zelosa, mergulhar cada vez mais profundo nas incríveis nuances de cada dispositivo que foram nos apresentado durante nossas jornadas. 


O mais saboroso desse banquete marcial, é a sensação que tenho de poder ressignificar meus pontos de vista sem abrir mão dos meus entendimentos, pois cada encontro desse, onde a sintonia e a mente aberta de cada um de nós da "velha guarda"da Família se faz presente, é um evento de altíssimo nível promovido dentro de simples e bons momentos, nos ensinando aprender a aprender, de maneira sóbria, e muito divertida.



Nunca dê três passos maiores que uma braça.


Talvez um dos conselhos mais antigos que me recordo de ter sido repetido exaustivamente por todos os que conheceram em minha juventude é o sobre nunca se dar um passo maior que a própria perna. Minha natureza impulsiva, destemida e questionadora, sempre me levou ignorar essas sábias palavras como se fossem tolices que levadas ao pé da letra, me manteriam aquém do potencial que sempre vi em mim. A ousadia sempre me foi muito mais sedutora que a prudência, e hoje compreendo bem o preço que paguei em não entender que o problema nunca foi transgredir os limites que me impunham, mas sim não respeitar os meus limites até nas circunstâncias mais tranquilas.

Nos últimos meses, o Mestre Sênior Julio Camacho, ao qual me refiro por Si Fu nessas linhas (Líder de Família Kung Fu), vem ministrando diretamente de Miami aos seus discípulos aqui no Brasil, encontros on-line sobre sua compreensão e entendimento da Trilogia de Níveis que Compõe a Fase Estruturada do Sistema Ving Tsun de Inteligência Marcial. E em seus últimos encontros, fiquei muito satisfeito comigo mesmo em perceber que algumas profundas mudanças na minha velha maneira de agir e pensar, como o que mencionei acima no primeiro paragrafo, estão acima de tudo, muito alinhadas com a natureza dos Domínios do Sistema Ving Tsun dentro da perspectiva pessoa; que meu próprio Si Fu compreende.


No caso do Domínio Cham Kiu, Nível Intermediário da Fase Estruturada, cuja transliteração direta do Cantonês para o Português pode significar Ponte de Uma Braça, nomenclatura que num olhar superficial talvez não faça muito sentido para nominar uma das Naturezas de um Sistema Marcial, mas que quando se investiga com mais profundidade, compreende-se o simbolismo referente aos desafios dentro da própria capacidade,  através dos movimentos corporais em sintonia com a proposta de execução que a prática nos sugere. Pois esse conceito traduz em muito o executar  de sua sequência levando a energia gerada pelo corpo ao limite do próprio alcance em todas as direções, através da manutenção dinâmica do posicionamento ideal construído no Nível anterior, de maneira onde diferentes partes do corpo se movimentam sem se perder a fluência, na busca pelo equilíbrio, sempre respeitando os próprios limites. 

Quando durante nossa Prática Especial On-line, meu Si Fu ressaltou, que o grande desafio desse nível, tratava-se de desenvolver a capacidade de superar os pequenos obstáculos da vida, pois uma braça é o limite máximo de entre uma mão e outra com os braços esticados lateralmente, que dá o exato tamanho de três passos sobre uma base onde os pés ficam na distância ideal para um transferência de peso de maneira estratégica, imediatamente me senti satisfeito em perceber que já tem algum tempo que ando bastante atento em desenvolver a capacidade de "dar passos do tamanho da minha perna" em todas as minhas ações, e abrindo mão dos grandes saltos arriscados que sempre gostei de ousar em minhas decisões. 

Como também já ouvi inúmeras vezes no Círculo Marcial que é comum um praticante de Ving Tsun não se dar conta do quanto te Kung Fu conseguiu desenvolver. Essa semana foi um desses raros momentos que fiquei feliz em perceber o quanto amadureci nesse sentido. Mas como sempre me orienta meu Si Fu, não posso me dar o luxo de parar para comemorar, muito menos me dar por satisfeito por muito tempo para não incorrer no risco de se acomodar diante do tanto que se tem para aprender. Que venham novos desafios!