quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Segredos de uma Família Kung Fu.

Sou Claudio Teixeira, discípulo do Mestre Sênior Julio Camacho Titulado pela Moy Yat Ving Tsun Martial Intelligence, o qual passarei me referir por Si Fu nessas linhas, termo que pode ser compreendido como Líder de Família Kung Fu, e hoje revelarei alguns dos segredos mais preciosos do nosso Clã Moy Jo Lei Ou através da minha narrativa da conclusão da primeira etapa de encontros On-line conduzidos ele, denominado Desvendando. Convido você a conhecer os mistérios ocultos pelo véu do emblemático Nível Superior Final da Fase Estruturada do Sistema Ving Tsun, mais conhecido por Domínio de Natureza Biu Ji, o momento em que o praticante se torna qualificado para avançar nos Níveis Superiores que lhe levarão à mestria. 

Mestre Sênior Julio Camacho executando o Biu Ji

Quando concluí o acesso aos conteúdos do Domínio Biu Ji, meu Si Fu falou que a conclusão desse Nível seria o referente alcançar uma faixa preta em outras artes marciais. O que para mim foi muito frustrante, porque nem de longe me sentia tecnicamente um "faixa preta" de Kung Fu. A única certeza que tinha na época era que eu tinha muitas dúvidas sobre o Sistema Ving Tsun do ponto de vista conceitual, e as poucas certezas que tinha eram tão corporalmente superficiais que, mesmo tendo compreendido alguns aspectos fundamentais da dinâmica de muitos movimentos, eram raros os momentos me que tinha eu percebia que determinadas ações durante a prática, mesmo quando bem sucedidas, não aconteciam com a consciência que praticantes mais experientes demonstravam. Lembro que, nessa época, comecei a desenvolver inúmeros recursos carregados de habilidade que hoje compreendo perfeitamente,  que esse tipos de truques só funcionavam com quem tinha um baixo nível de Kung Fu, como meu Si Fu tanto me alertava. 

Na busca pelo conhecimento, literalmente bati cabeça, e fui me desenvolvendo como praticante de Artes Marciais com muito esforço e pouca estratégia enquanto ainda era devoto do senso comum que, quanto mais eu praticasse, mais aprenderia: desconsiderando muitas vezes as próprias orientações de investir mais na Vida Kung Fu do que no tempo de prática. Como toda rebeldia tem seu preço, à medida em que me sentia mais habilidoso, minha frustração de fato aumentava, porque os mesmos truques eram cada vez mais eficazes com meus irmãos Kung Fu que estavam na mesmo nível que eu, mas permaneciam completamente inúteis com praticantes mais sêniores, me obrigando admitir a ineficácia da minha forma de aprender. 

Ao fundo o Mestre Sênior Julio Camacho orientando o 
Tutor Guilherme de farias no acesso aos conteúdos do Biu Ji 
de nosso irmão Kung Fu Willian Franco na cidade de Luanda em Angola

Quando comecei a aceitar convites para integrar as comitivas de viagens junto ao Si Fu, lembro-me que um dos fatores que mais me motivaram foi a referência que ele sempre fazia ao fato de muito do Kung Fu dele ter se desenvolvido em função dessa experiência internacional. E, sem sombra de dúvidas, olhando para a direção contrária do proposto por ele no investimento na Vida Kung Fu, embarquei em minha primeira viagem rumo à Nova Iorque numa comitiva em Família Kung Fu, atirando na possiblidade de conhecer dezenas de outros praticantes e, através de treinar com eles, finalmente começar a ter um nível de Kung Fu a altura do que tanto almejava. Acertei assim uma oportunidade que não enxergava: a de riquíssimos momentos de Vida Kung Fu com meu Si Fu, vividos de maneira muito intensa, momentos que só numa viagem ao lado de um mestre do despertar até o dormir pode proporcionar. 

Hoje, com algumas boas horas de voo depois de conhecer uma dezena de países ao lado do meu Si Fu em prol do Kung Fu, compreendo muito mais profundamente quando ele salientava que a Natureza do Biu Ji requer maturidade. Ao contrário das fantasias imaturas sobre o entendimento deste Domínio, o grande benefício da sua prática para a luta do dia a dia pode ser traduzido justamente no esvaziar de expectativas. O dois Níveis precedentes à esse vêm construindo em mim um processo sólido de me posicionar e fluir pelos desafios do cotidiano de maneira muito mais eficaz, entretanto é o Nível Superior final que traz consigo ferramentas imprescindíveis  para se lidar com o imprevisível.

Mestre Sênior Julio Camacho em foto Si-To na data do convite de 
sua Discípula Alice Teixeira ao acesso do Nível Avançado,
ao fundo ao lado de seu Orientador Formal 
o Mestre Qualificado Leonardo Reis.


Meu próprio entendimento sobre como lidar com a natureza do Biu Ji mudou extremamente desde que ingressei no Nível até hoje. No início, a sequência de movimento repleta de disparos e torções me encantava pela sua plasticidade toda vez que ficava observando praticantes mais experientes executando-a. A minha visão equivocada acreditava que a natureza do Domínio se apoiava na emergência e trazia um apelo poético para para minhas justificativas infantis de quem alegava sentir conforto em meio a caos, perspectiva que hoje considero errônea  antes, era muito comum eu dizer que minha natureza era Biu Ji, quase como numa perspectiva esotérica astrológica. O fato é que estudar este nível me era conflitante e até frustrante pois, da mesma maneira em que alimentava percepções infundadas como as descritas acima, meu corpo "rejeitava"os movimentos, tanto quando praticava sozinho, mais principalmente quando estava buscando trabalhar os componentes desse Nível com outro praticante. Demorou alguns anos para eu compreender num nível mais profundo que meu potencial jamais seria alcançado se eu não compreendesse meus limites. Foi apenas assim que ressignifiquei meu entendimento de que, para se lidar com qualquer emergência, o nível de preparação e respeito ao fluxo deve ser muito maior que a aposta em minhas habilidades. 

Essa semana, durante a conclusão das Sessões On-line coordenadas pelo Si Fu onde fechamos o "Desvendando o Biu Ji", eu consegui compreender muito mais as lacunas que faltavam para esse processo de ressignificação acima citado. Pois, através de sua orientação e de sua própria vivência de estudos pessoais sobre o Sistema Ving Tsun, ele me deu acesso a algumas pequenas peças desse quebra cabeças corporal do autoconhecimento através do estudo das Listagens do Sistema; literalmente tirando o véu que cobria particularidades preciosas desse Domínio, assim como fez dos dois anteriores. Na medida que fui trabalhando apoiado em suas orientações, algumas epifanias foram naturalmente ocorrendo, sem a necessidade dos heróicos esforços que muitas vezes fiz para desenvolver meu Kung Fu. Reforçando a construção da idéia que o Biu Ji nada tinha a ver com a habilidade de lidar com o caos, e sim o ordenamento mental para usar a preparação alcançada através do estudo das fases anteriores, compreendendo como desafiar meus limites sem abrir mão da natureza deles para retornar para as condições ideais. 

Indo num sentido contrário ao aspecto quase místico que muitas Famílias Kung Fu atribuem ao Biu Ji, meu Si Fu, em nosso último encontro dessas atividades, desmistificou muitos dos conceitos através do uso correto das técnicas necessárias durante a execução da sequência de movimentos, terminando de desconstruir meus últimos resquícios de incompreensão no mal uso do princípio de se aprender a lidar com a emergência, que ainda carregava. Ao trabalharmos o uso dinâmico de todas as partes do corpo em sintonia ao mesmo tempo em que se desafia os limites da estruturação corporal, o fazemos sem abrir mão do rigor da busca pela integridade que o Sistema constrói, evidenciando um dos sentidos que o termo Biu Ji pode ser compreendido: Bússola de Alta precisão.

Como último Nível da Fase estruturada do Sistema, o Biu Ji entrega ao praticante todos os recursos necessários para explorarmos ao máximo as condições propostas nos dois Níveis que o antecedem, dessa maneira concluindo o acesso de tudo que se faz necessário para a exploração da Fase Semi-estruturada do Sistema. Todavia, como explicado pelo Si Fu, essa conclusão carrega consigo a assinatura do estilo particular de cada  Família Kung Fu, dando sentido à maneira como a natureza dos movimentos é abordada, e como os elementos que compõe essa natureza devem ser levados em consideração.  Por meio de uma compreensão mais ampla, confirmo o meu entendimento que desenvolver Kung Fu através do Sistema Ving Tsun, me ensina sempre e cada vez mais aprender a aprender. 




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